quarta-feira, junho 22, 2005

Para os meus alunos de Metodologia e Filosofia do Direito (e não só..) lerem com muita atenção!
Eis o que acontece quando se elimina o direito natural.
Se o Estado te põe à venda.
Jovem mulher na Alemanha perde o subsídio de desemprego porque rejeita prostituir-se, actividade legal naquele País.
O facto aconteceu em Berlim e vale a pena contá-lo. Uma jovem de 25 anos, empregada numa empresa de software, perde o emprego e escreve para o Instituto do Emprego. No curriculum, entre as suas experiências de trabalho, indica ter trabalhado como empregada de café e ter estado disponível para o serviço nocturno. Poucos dias depois, recebe a chamada do Instituto do Emprego: há uma entidade empregadora «interessada no seu perfil profissional» - dizem à jovem. Ela apresenta-se e descobre que a entidade empregadora é um gerente de uma casa de prostituição, que procura mulheres para «serviços sexuais». Indignada, a jovem rejeita o emprego e informa o Instituto do Emprego acerca da estranha oferta. Esta instituição pública responde: «Na Alemanha, a prostituição é uma profissão legal. Se a senhora rejeitar este emprego, cortamos-lhe o subsídio de desemprego». A jovem dirigiu-se a um advogado para defender o seu direito ao subsídio, mas a resposta foi a mesma. Na Alemanha, a prostituição foi legalizada há dois anos. Isto significa que os patrões das casas de prostituição - que pagam os impostos pelos lucros que recebem da sua actividade e a segurança social às suas «empregadas» - têm direito a dirigir-se ao Instituto do Emprego para a procura de pessoal de que tenham necessidade, tal como os dentistas procuram uma enfermeira, ou os escritórios procuram uma secretária. Quanto ao caso da jovem, as novas disposições da Segurança Social falam claramente: qualquer mulher com menos de 55 anos que tenha estado desempregada durante mais de um ano, se não aceita o trabalho que lhe é oferecido pelo Instituto doEmprego, perde o subsídio de desemprego. História muito instrutiva. Estamos tão habituados a crer que a justiça consiste nas leis «positivas» (isto é dadas pelo Estado) que já não compreendemos o que é o direito «natural». Devemos recorrer a um exemplo antigo, o de Roma. Em 500 anos, Roma aprovou apenas 300 leis escritas. O direito - o célebre direito romano, usado na Europa até à Revolução Francesa, e ainda hoje na Inglaterra com o nome de«common law» [«lei comum»] - fazia-se com decisões judiciárias. Com efeito, nos casos concretos, é sempre possível ao juiz estabelecer entre dois litigantes quem não tem razão, e quem tem razão ou "direito". E isto mesmo sem recorrer a leis escritas e aprovadas pelo Estado. Bastam a razão, o bom senso e aquele sentido do justo inscrito no coração do homem, quando este é desinteressado (ou seja, não é uma das partes em causa). O guia do juiz era a «livre vontade»: em caso de um testamento contestado, procurava compreender qual tinha sido a vontade do defunto; em caso de litígio, por venda (por exemplo, de um cavalo doente vendido como são, ou duma casa com defeitos ocultados), procurava, antes de mais, estabelecer qual era a vontade livre dos contratantes, no momento do contrato. Resumindo, a «lei escrita», para o juiz romano, era o testamento ou o contrato: ou seja a vontade dos privados. Por outras palavras, era a liberdade destes que o juiz procurava averiguar. Só quando o juiz era apoiado pela consciência jurídica activa do povo, ou seja pelo seu sentido de «justiça», é que podia introduzir um novo direito. Assim, por exemplo, as arcaicas Leis das XII Tábuas incluíam a lei de Talião [«olho por olho, dente por dente»], ou a venda do devedor em pedaços: bem cedo, deixaram de ser aplicadas (embora as leis nunca fossem ab-rogadas) a partir do momento em que o povo as sentiu como«injustas». Assim, o direito «evoluía», lentamente, de acordo com o sentido de justiça da sociedade. Com o direito natural, a sociedade estava livre das leis. Enquanto não surgia um problema (um litígio), a maior parte da vida não precisava de recorrer ao direito. Hoje, passa-se o contrário: cada aspecto das relações sociais é regulamentado até ao pormenor por minuciosas leis escritas, que é o carácter do Estado policial (o primeiro grande código foi escrito por Napoleão). Mas há pior ainda. No «positivismo jurídico» que hoje impera, a lei escrita é a última instância. Não há possibilidade de apelar em nome do bom senso, da liberdade pessoal, da consciência moral e nem sequer do sentido de justiça do povo. Assim, a jovem de Berlim não pode recorrer contra a lei que lhe tira o subsídio de desemprego se não aceita o trabalho «legal» de prostituta, porque a instância da moralidade e da consciência não pode ser invocada como superior à lei escrita.
(origem: pensaBem.net)
Flávio Serrano Roques

Sem comentários: